Os micro-organismos, são seres microscópicos representados por fungos, bactérias, vírus, algas e protozoários. Geralmente, esses seres são associados à doenças que causam em humanos, animais e plantas.
Esses seres estão em toda a parte: solo, água, pedras, deteriorando alimentos, no interior e na superfície de seres vivos, entre outros locais.
No entanto, o que vamos nos deter neste post é sobre a utilização desses seres vivos ao longo das últimas décadas.
A fonte dessas informações é: LOPES, Adriana A.; GUIMARÃES, Denise; PUPO, Mônica. Quando os micro-organismos salvam vidas: seres diminutos a serviço da produção de medicamentos. Ciência Hoje. Nº 286, v. 48, out 2011, pág 30-35.
1. Do laboratório à indústria: Ao longo do tempo, o homem conseguiu cultivar micro-organismos em laboratório, bem como isolar e identificar quimicamente os produtos naturais microbianos, aplicando-os na medicina como medicamentos. Os processos fermentativos envolvidos no desenvolvimento microbiano também passaram a ser explorados para o benefício humano em diversas áreas.
Os micro-organismos são amplamente usados em indústria para a produção de produtos químicos, como butanol, etanol e ácido cítrico, suplementos alimentares (aminoácidos) e enzimas.
São também usados na produção de pães, cerveja, vinho, queijos, iogurtes.
São importantes agentes de biorremediação, ou seja, usados para remover ou reduzir a poluição ambiental.
São utilizados em processos de biocatálise, convertendo substâncias químicas em outras, com maior rapidez e menor custo que processos totalmente químicos.
A fermentação de micro-organismos é também aplicada pela indústria farmacêutica para obtenção de medicamentos que não são facilmente produzidos por síntese química. Contribuindo significativamente para a saúde da humanidade.
2. Combate às doenças: As descobertas de cientistas como o químicos e microbiologista francês Louis Pasteur (1822-1895), o cirurgião inglês Joseph Lister (1827-1912) e o médico alemão Robert Koch (1843-1910) permitiram identificar micro-organismos como agentes causadores de infecções, as quais geralmente causavam a morte dos pacientes devido à ausência de tratamento efetivo.
Os cientistas alemães Paul Erlinch (1854-1915) e Gerhard Domagk (1895-1964) foram pioneiros em mostrar que corantes artificiais matavam micro-organismos e controlavam infecções.
Lister e o médico francês Ernest Duchesne (1874-1912), independentemente, relataram o uso de fungos Penicillum em bandagens para tratar pacientes infectados no final do século 19. Porém, textos da medicina chinesa, com mais de 3 mil anos, relatam o uso de soja "embolorada" para tratar infecções de pele.
Mas foi a descoberta da penicilina, produzida pelo fungo Penicillium notatum, pelo médico escocês Alexander Fleming (1881-1955), em Londres (1928), que se tornou marco o uso medicinal de produtos naturais microbianos e revolucionou a medicina e o tratamento das infecções bacterianas.
O bioquímico e microbiologista ucraniano radicado nos Estados Unidos, Selman A. Walsman (1888-1973), intrigado pelo fato de o bacilo causados da tuberculose não sobreviver no solo, trabalhou com a hipótese de que um antibiótico deveria ser produzido naquele local por um micro-organismo competidor. A partir dessa ideia, Walksman descobriu, em 1943, o antibiótico estreptomicina, ativo não apenas contra a tuberculose, mas também contra bactérias do tipo gram negativo, que não são eliminadas pela penicilina.
Após a descoberta da penicilina e da estreptomicina, houve intensa busca pelos cientistas por diferentes fungos e bactérias do ambiente capazes de produzir antibióticos. As principais classes de antibióticos foram descobertas entre as décadas de 1930 e 1960.
3. O problema da resistência: O uso de antibióticos mudou significativamente a qualidade de vida da população. Antes da introdução desses medicamentos, as infecções por bactérias em feridas, cortes, pós-parto, desordens cardíacas, etc. levavam comumente o paciente à morte. Porém, um problema do tratamento com antibióticos é o desenvolvimento de resistência por parte das bactérias aos antibióticos usados - Fleming já havia observado em laboratório baixas concentrações de antibiótico não matavam bactérias; ao contrário, bactérias resistentes à penicilina sobreviviam e se multiplicavam.
Até hoje o problema da resistência persiste. Para suplantá-lo, químicos medicinais têm alterado as estruturas desses produtos naturais em laboratório e tentado descobrir novos natibióticos.
A vancomicina, um desses exemplos, é conhecida como a última opção para o tratamento de infecções resistentes. É um antibiótico isolado, em 1956, do micro-organismo do solo Nocardia orientalis.
O último antibiótico lançado no mercado - isso ocorreu em 2003 -, o lipodepsipetídeo daptomicina, foi desenvolvido a partir de um produto natural produzido pela actinobactéria Strepmyces roseosporum.
4. Sem rejeição: A maioria dos antibióticos usados clinicamente é de origem microbiana. Em geral, essas moléculas têm estruturas químicas complexas, o que dificulta sua obtenção em laboratório por meio de métodos sintéticos. Assim, a produção desses medicamentos na indústria farmacêutica geralmente é feita em culturas fermentativas de micro-organismos, por vezes associados a métodos laboratoriais semissintéticos. Nesse último caso, a estrutura química mais complexa é obtida das culturas fermentativas, e modificações estruturais mais simples são realizadas posteriormente em laboratório.
A pesquisa de substâncias produzidas por micro-organismos se estendeu a outras aplicações terapêuticas. Os transplantes de órgãos, realizados com relativa facilidade atualmente, permitem, aos pacientes, novas expectativas de vida.
Além dos avanços nos procedimentos médicos, sucesso dos transplantes se deve em grande parte ao uso de fármacos imunossupressores, que garantem que não ocorra rejeição ao novo órgão pelo organismo receptor. Diversos agentes usados como imunossupressores são produzidos por micro-organismos de solo.
Os principais imunossupressores no mercado farmacêutico são ciclosporina, isolada do fungo Tolypocladium inflatum, em 1971; rapamicina, isolada da actinobactéria Streptomyces hygroscopicus, em 1975; e FK506 (tacrolimo), isolada de Streptomyces tsukubaensis, em 1987. O ácido micofenólico, produzido por várias espécies de fungos, é também imunossupressor.
5. Câncer e colesterol: O uso de substâncias produzidas por micro-organismos também tem contribuído para o sucesso da quimioterapia de diversos tipos de cânceres. As antraciclinas (por exemplo, a doxorrubicina) e a mitomicina inibem, de formas diferenciadas, o ciclo das células cancerígenas e têm sido usadas há décadas.
A bactérias Micromonospora echinospora foi isolada de uma rocha calcária na década de 1980. Essa bactéria produz uma estrutura química incomum (a calicheamicina gama1) capaz de matar células cancerígenas por meio de um mecanismo único de ligação ao DNA. Para a quimioterapia, esse produto natural é ligado quimicamente a uma proteína (anticorpo) que dirige o fármaco especificamente para células leucêmicas.
O controlo dos altos níveis de colesterol sanguíneo - problema que atinge grande parte da população mundial - teve significativo avanço com a descoberta de um produto natural fúngico, a mevastatina (estatina). Essa substância tem ação inibitória de uma enzima (HMG-CoA-redutase) que "acelera" a etapa inicial de produção do colesterol pelo organismo.
A descoberta da mevastatina e de seu mecanismo de ação possibilitaram o desenvolvimento de estatinas sintéticas. Há anos, esse medicamento é o mais vendido no mundo.
6. Naturais artificias: A indústria farmacêutica mundial, apesar de tantos avanços tecnológicos e científicos, tem sofrido, nas últimas décadas, com a queda na descoberta e no desenvolvimento de novos fármacos (especialmente antibióticos). Nesse contexto, a engenharia genética desponta como alternativa atraente para a produção de "produtos naturais não naturais" candidatos a fármacos. Produtos "não naturais", porque não são encontrados na natureza; "naturais", porque são feitos por micro-organismos (e não em laboratórios químicos).
Os avanços nas áreas de biologia molecular e genômica têm, portanto, possibilitado alternativas para a produção de medicamentos na indústria farmacêutica. Na década de 1980, foi obtido o primeiro organismo geneticamente modificado. A clonagem de genes humanos na bactéria Escherichia coli possibilitou a obtenção de insulina mais barata quando comparada com métodos tradicionais anteriores ao advento da biotecnologia (como o isolamento da insulina do pâncreas de suínos e bovinos).
Outro importante exemplo é o fungo produtor de penicilina, Penicillum chrysogenum, que, após modificações genéticas, teve a produção de penicilina aumentada cerca de 25 mil vezes em relação à linhagem original.
7. Altos rendimentos: Na última década, as pesquisas na área de engenharia genética têm tentado viabilizar a produção de outros medicamentos por micro-organismos geneticamente modificados, que, desse modo, passar a fabricar compostos diferentes daqueles produzidos naturalmente por eles.
Há diversos medicamentos no mercado que são extraídos de plantas. Em alguns casos, o produto natural vegetal ainda sofre modificações químicas antes de ser comercializado. Porém, a obtenção de insumos farmacêuticos naturais esbarra nos frequentes baixos rendimentos de produção dessas substâncias pelas fontes originais.
A genômica permite conhecimento detalhado de todas as reações químicas envolvidas na biossíntese de produtos naturais em uma planta ou micro-organismo. Os pesquisadores já são capazes de transferir os genes envolvidos na produção de fármacos vegetais para micro-organismos que crescem mais facilmente em laboratório.
Já foram obtidos micro-organismos geneticamente modificados para a produção de precursores importantes da artemisina (antimalárico), taxol e podofilotoxina (anticancerígenos).
O desafio é aperfeiçoar a produção para obtenção de altos rendimentos dos compostos de interesse, para que os processos possam ser aplicados na indústria.
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